Sempre fui fascinado por Alice.
Há referências à sua saga em tudo que eu gosto o suficiente pra me dedicar.
Suas indagações existencialistas vão além do quantitativo de simples ser, mas ao qualitativo do como e porque ser.
Eu li ambos os livros há muitos anos atrás e nunca me esqueci de como eles me pareceram tão reais nesse mundo maluco.
A temática do obscuro, daquilo que não está à vista dos olhos, me instiga, enquanto a escuridão do buraco afasta a maioria.
Underground é a terra das maravilhas e do nonsense, o impossível disfarçado. E também referência àquilo que não está ao simples alcance.
Você tem que olhar bem fundo. Cavar bastante.
A verdade é muito mais louca e está muito mais soterrada do que imaginamos, e nenhuma referência é melhor
para compreendermos isso do que a experiência de atravessar o espelho. Olhar, e se olhar. De outros lados e do avesso. Existe um lado da sua Lua que ninguém vê.
Tudo tem mais de um lado, mais de uma face. E quando elas se encaram, uma nova expressão surge.
O buraco é muito profundo, e os olhos ainda buscam constantemente o foco mas, uma vez dentro, não se volta pela mesma entrada. Não se pega o mesmo caminho.
Não se volta ao mesmo momento no espaço-tempo. Nem à si mesmo no momento.
O buraco?
Não devemos cair......devemos pular.
Por isso, à todos uma boa viagem e um feliz desaniversário.
Mais chá?
domingo, 25 de abril de 2010
sexta-feira, 23 de abril de 2010
Momento Absolem
"_Quem é você? - perguntou a lagarta.
_Não estou bem certa..... - respondeu encabulada a menina - quero dizer, nesse exato momento não sei quem sou....Quando acordei hoje de manhã, eu sabia quem eu era, mas acho que já mudei tantas vezes desde então, como vê...
_Eu nada vejo. O que você quer dizer com isso? - Inquiriu a lagarta - Explique-se melhor.
_Acho que não posso me explicar - respondeu a menina - Porque eu não sou eu mesma, entende?
_Não, não entendo - replicou a lagarta.
_Acho que não consigo ser mais clara - respondeu Alice - Porque, para começar, nem eu mesma consigo entender. Esse negócio de mudar de tamanho tantas vezes num dia só é muito confuso.
_Por quê? - insiste a lagarta.
_Eu estou quase achando que posso me lembrar de me sentir um pouco diferente. Mas eu não sou a mesma.
_Você? QUEM É VOCÊ?"
_Não estou bem certa..... - respondeu encabulada a menina - quero dizer, nesse exato momento não sei quem sou....Quando acordei hoje de manhã, eu sabia quem eu era, mas acho que já mudei tantas vezes desde então, como vê...
_Eu nada vejo. O que você quer dizer com isso? - Inquiriu a lagarta - Explique-se melhor.
_Acho que não posso me explicar - respondeu a menina - Porque eu não sou eu mesma, entende?
_Não, não entendo - replicou a lagarta.
_Acho que não consigo ser mais clara - respondeu Alice - Porque, para começar, nem eu mesma consigo entender. Esse negócio de mudar de tamanho tantas vezes num dia só é muito confuso.
_Por quê? - insiste a lagarta.
_Eu estou quase achando que posso me lembrar de me sentir um pouco diferente. Mas eu não sou a mesma.
_Você? QUEM É VOCÊ?"
domingo, 11 de abril de 2010
Como de costume
Eu sei que a gente se acostuma
Eu sei que a gente se acostuma, mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E porque à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã, sobressaltado porque está na hora. A tomar café correndo porque está atrasado. A ler jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíches porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia. A gente se acostuma a abrir a janela e a ler sobre a guerra. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E aceitando as negociações de paz, aceitar ler todo dia de guerra, dos números da longa duração. A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que paga. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com o que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes, a abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema, a engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às besteiras das músicas, às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À luta. À lenta morte dos rios. E se acostuma a não ouvir passarinhos, a não colher frutas do pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda satisfeito porque tem sono atrasado. A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida.
Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma.
__________________________Marina Colassanti
......e quem é você agora?
Eu sei que a gente se acostuma, mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamento de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E porque à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã, sobressaltado porque está na hora. A tomar café correndo porque está atrasado. A ler jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíches porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia. A gente se acostuma a abrir a janela e a ler sobre a guerra. E aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E aceitando as negociações de paz, aceitar ler todo dia de guerra, dos números da longa duração. A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que paga. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagará mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com o que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes, a abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema, a engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às besteiras das músicas, às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À luta. À lenta morte dos rios. E se acostuma a não ouvir passarinhos, a não colher frutas do pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda satisfeito porque tem sono atrasado. A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida.
Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma.
__________________________Marina Colassanti
......e quem é você agora?
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